O que leva uma mãe a dar seus filhos? O que sentem os filhos que sabem ser adotivos em relação à mãe biológica? E mais: como fica a cabeça e o coração de crianças que foram doadas, não foram amadas e acabam abandonadas? Histórias de descaso e desamparo de crianças e jovens deixados à própria sorte volta e meia comovem a população. Jovens que no desespero da fome e da falta de amor procuram nas drogas e na prostituição o amparo que precisam para apenas sobreviverem. A história de Ana Carla poderia ter um fim assim. Para Ana, a vida mostrou sua face mais dura, mas que nem assim endureceu seu coração. Por isso, esta é uma história de perdão e de reconciliação. Aos 26 anos, ela decidiu procurar sua mãe, mesmo depois de tudo que sofreu. "Eu perdoei ela (sic).", avisa.
Hoje, já casada com um artista plástico em Natal, e mãe de dois filhos, Ana Carla veio conhecer sua mãe em Mossoró. O encontro foi organizado pelo jornalista Jackson Damasceno, da Band TV, de Natal, também chamado de "anjo da guarda" por Ana Carla. Mas tem outro "anjo" nesta história. Ela conta que, no dia 7 deste mês, aniversário de um dos seus filhos, ela perguntou o que ele queria de presente; a criança respondeu que queria uma avó. E foi assim que ela tomou a iniciativa de procurar a emissora e pedir ajuda na localização da mãe. Em menos de duas horas, o jornalista Jackson deu retorno, avisando que um amigo da Polícia Federal havia localizado a suposta casa da mãe, dona Maria da Conceição. Feito o contato com a equipe do jornal O Mossoroense, confirmamos tudo. Em Natal, Ana Carla demorou a acreditar. Em Mossoró, dona Maria caiu no choro e aguardou com ansiedade a chegada da filha, da qual nunca mais teve notícias.
Ana Carla de Oliveira tinha 2 anos quando ela e seus dois irmãos, Micarla, de três anos, e José Carlos, de um ano, foram dados em adoção pela mãe, dona Maria da Conceição de Oliveira. Maria da Conceição tinha 18 anos quando Ana Carla nasceu. Conhecida como "Maria Baixinha", a mãe conta que deu os filhos porque o pai das crianças, marido dela, a maltratava sem dó. "Era peia (sic) todo dia.", conta, ainda revoltada com tudo o que passou. "Até quando estava grávida, eu apanhava. Ele só vivia bêbado.", recorda. Foi por isso que ela deu as crianças. Era jovem, não tinha apoio da própria família, nem como trabalhar para se sustentar.
Ana Carla e os irmãos foram dados a três famílias, indicadas por uma assistente social. Nunca mais se viram. Ana durou pouco nesta casa, e, logo depois, foi dada para um pedreiro que fazia obras na casa. Também não deu certo. A esposa do homem se negou a criar uma criança estranha. E assim, Ana Carla foi dada para a sogra do pedreiro, uma senhora de 60 anos, que decidiu criá-la, apesar dos protestos da família. Menina, aos nove anos, passou a fazer serviços domésticos na própria casa onde morava, em troca de roupas, calçados e comida. E assim foi crescendo, enquanto frequentava uma escola pública. Quando esta senhora faleceu, Ana estava com 15 anos, e foi posta na rua. "Passei fome e medo.", lembra emocionada. "Ninguém me dava trabalho, pois eu não tinha referências, como se pede por aí.". Assim, ela viveu na rua, conheceu a marginalidade, mas nunca se envolveu. "Eu sabia que aquilo não prestava. Tive amigos e amigas que se drogavam e bebiam, mas eu não queria isso pra mim." Da rua tem algumas lembranças boas. "Tenho um amigo que trabalha num restaurante, e ele sempre guardava restos de comida para mim.", contou. E era escondido do patrão que preferia jogar tudo fora. Hoje, Ana Carla é dona-de-casa, tem dois filhos e é casada com Antônio Soares da Silva, vinte anos mais velho. Foi ele quem a tirou das ruas. Depois de tantas provas na vida, diz que ambos construíram uma família e o amor "igual os indianos", explica sorrindo, se referindo a uma novela. "Nós dois precisamos um do outro", diz séria. Como sequela da vida, Ana Carla trata da síndrome do pânico e de depressão.
O reencontro em Mossoró reuniu família e a vizinhança toda. Emocionadas, mãe e filha se abraçaram. A vida áspera das duas impediu lágrimas em profusão. A emoção deste reencontro ficou por conta da força do perdão e da generosidade de Ana Carla. Dona Maria da Conceição até confessou que tinha vontade de procurar a filha, mas faltou coragem. "Eu tinha medo de ser rejeitada,".
FONTE - OMOSSOROENSE
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